segunda-feira, março 28, 2005

Big brother
Escreve o "Diário de Notícias" de hoje que o Governo está a preparar uma base de dados genéticos de todos os portugueses. Em nome do combate ao crime, adianta-se.
O assunto é sensível e perturbante. À partida, de facto, faz-me lembrar o "big brother" orwelliano, um estado policial e, na versão moderna, securitário. Todos os portugueses fichados geneticamente? Parece-me mal, mesmo com a pouca informação disponível e com a convicção de que o ministro responsável, Alberto Costa, tem uma mais que suficiente experiência de perseguição política para estar muito atento...
Mas... Mesmo que o ministro me ofereça garantias, o mesmo não acontece com tudo o resto. Por enquanto - e que se saiba... - os nossos dados fichados são mínimos e dispersos. Ou são já muitos, mas dispersos.
Mas... o meu (os nossos) perfil genético? Por aí à disposição? Parece-me mal, repito. Mesmo numa sociedade mais perigosa, mesmo com uma criminalidade mais científica e violenta. Não estará o Governo a alimentar uma presunção dramática da máquina burocrática do Estado - todos somos suspeitos -?
Em nome da segurança (?), 'aceitamos' ser filmados de cada vez que vamos ao multibanco, aceitamos que os extractos bancários nos digam (e a quantos mais?) onde fizemos os levantamentos, a quem pagámos... Em nome do conforto, aceitamos que a Via Verde nos controle as deslocações (e o estacionamento e os abastecimentos de combustível)... Em nome (outra vez) da segurança, aceitamos entrar em estádios cheios de câmaras, em artérias igualmente vigiadas, em lojas onde nos convidam a sorrir porque estamos a ser filmados...
Em nome da 'segurança' e - quiçá - da eficiência no combate ao crime, querem agora arquivar os meus genes!
É de mais! Em primeiro lugar, há aqui uma questão de direitos fundamentais: estão a querer saber mais do que podem e devem. Depois - como se fosse necessário acrescentar algo... -, há uma questão de confiança nos 'guardiões' da dita cuja base.
Não estou a ver que a 'nossa' PJ - ou seja lá quem for - seja suficientemente idónea para depositária de um base de dados deste tipo. Pois se qualquer processo em segredo de justiça é mais conhecido que um livro aberto...
Não há eficácia de investigação que justifique isto! Não há garantias que nos possam dar - logo se veria se cumpríveis... - que me levem a mudar de opinião. Já 'basta' o SIS, sem controlo eficaz, 'investigando' quem e como quer.

domingo, março 27, 2005

Sobre o litoral

O “Público” de hoje, domingo de Páscoa, ‘descobriu’ que o mar está crescentemente a ameaçar a nossa costa – do Minho ao Algarve (melhor dizendo, de Espanha a Espanha) – e que, desde 1971, nada se fez verdadeiramente para estancar as ameaças.
Pois não! Mas queriam o quê? Medidas radicais num país de patos bravos? Verdade seja dita, o “Público” refere UM caso – entre 1986 e 1989 –, embora não faça justiça ao autor: Carlos Alberto Martins Pimenta, por acaso meu amigo e correligionário dos ‘velhos tempos’, o único governante que teve coragem e, por isso, andou guardado à vista e com poiso errante…
Lembro-me bem desse tempo: lembro-me do que era, por exemplo, a Polvoeira (ali no concelho de Alcobaça), dos insultos que ficaram nas poucas paredes da ‘paisagem lunar’ que restou depois das demolições.
Mas foi, de facto, caso único. Antes e depois, é um fartar vilanagem que comprova quem de facto manda em Portugal: uma propositada indefinição que permite, assim, que cada um faça o que quer, com ou sem necessidade de suborno ou tráfico de influências.
O “Público” escreve o que já escrevi, há uns anos, no “Jornal de Leiria”, num dos trabalhos que mais gozo me deu fazer: uma das ‘culpas’ é das barragens: o défice anual de deposição de inertes no mar é fantástico!
No que ao litoral da região de Leiria diz respeito, a culpa (sem aspas) é também da megalomania da Figueira da Foz e Coimbra, que quiseram transformar o portozinho da Figueira num portozão. Vai daí, toca de prolongar os pontões da foz do Mondego e de aprofundar o leito, chegando-se ao cúmulo de exportar areia para Espanha. É bom dizer que para este desastre que se anuncia também contribuiu o facto de a administração do porto arrecadar o dinheiro da venda da areia.
Por tudo isto, percebe-se a dificuldade de intervir: são muitos interesses, muito poderosos… Só com grande força e coragem políticas será possível.
Porque é preciso mexer com a máquina do Estado, acabando com as quintinhas e dando o poder a uma única entidade. Porque é preciso demolir tudo o que é ilegal, afrontando pequenos, médios e grandes interesses.
Mas são precisas força e coragem políticas para ir ainda mais longe: porque é preciso ‘entrar’ pela propriedade privada e deitar abaixo aquilo que esteja directamente ameaçado e seja mais caro proteger que demolir. Sem hesitações!
Se eu, e todos nós, vamos ter que pagar para proteger o litoral, então que paguemos para proteger o que é de fruição comum e não os egoísmos de uns quantos, que nos anos recentes souberam jogar com as indefinições legais.
Depois, então, será preciso proteger o que só foi colocado em risco por erros a montante.

sexta-feira, março 11, 2005

Lembrando José Régio
Não sei por que me lembrei disto...
Ou talvez lembre e não queira dizer...
De qualquer forma, gosto muito e creio que fica aqui bem.

CÂNTICO NEGRO
"Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
--- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
--- Sei que não vou por aí.
José Régio
11-M
Passa hoje um ano sobre o maior (ou um dos maiores) ataque terrorista na Europa. Quase 200 mortos em Madrid, mais de 1500 feridos, um trauma que não se apagará tão cedo.
Por isso, nos últimos dias quase não se ouve falar de (nem se lê sobre) outra coisa e, hoje mesmo, há um imenso desfilar de personalidades na capital espanhola.
Mas há um outro 11-M que inexplicavelmente passa (quase) despercebido. Hoje, cumprem-se 30 anos sobre o 11 de Março português, uma intentona (ainda mal explicada) que abriu caminho à quase total colectivização da economia portuguesa. E sobre isso, e as suas consequências até à actualidade, nada se ouve, nada se vê, nada se lê...
Admito que seja ainda cedo para se conhecer a verdadeira história do 11 de Março de 1975, sobre o ataque ao RALIS, sobre a 'reacção' do Conselho da Revolução: recorde-se, a nacionalização da banca e dos seguros, dos cimentos e de imensas outras pequenas, médias e grandes empresas.
A 'história' vai dizendo que foi uma intentona da extrema-direita, envolvendo Spínola... Provavelmente foi. Mas era bom que soubéssemos toda a verdade, que fosse possível perceber como a extrema-esquerda reagiu tão pronta e radicalmente. As nacionalizações, o 'pacto MFA-partidos' que condicionou a Constituição...
Hoje, eu gostava de saber por que razão (ou razões) ninguém fala disto...

quarta-feira, março 09, 2005

O melhor sobre Mourinho
Não faz muito o meu género encher este sítio com citações de outros blogs, mesmo que aqui venha com tão grande irregularidade (citar outros sempre enchia esta coisa...), mas hoje li uma coisa sublime.
Ora leiam, com origem no 'Bola na rede': Arsène Wenger, Alex Ferguson e José Mourinho morrem num acidente de avião e vão conhecer o Criador. O Deus supremo vira-se para o Wenger e pergunta-lhe qual a coisa mais importante para ele na vida. Wenger responde, dizendo que a Terra é a coisa mais importante e que proteger o sistema ecológico do planeta é importantíssimo.
Deus olha para o Wenger e diz: “Gosto da maneira como pensas, anda e senta-te aqui ao meu lado esquerdo”
Depois, Deus volta-se para Ferguson e pergunta-lhe qual a coisa que ele mais respeita na vida. Ferguson diz que são as pessoas e as suas escolhas pessoais. Deus acena com a cabeça e diz: “Gosto da maneira como pensas, anda e senta-te aqui ao meu lado direito”.
Finalmente, Deus vira-se para Mourinho, que estava a olhar para Ele com um ar muito indignado. E Deus perguntou-lhe: “Qual é o teu problema Mourinho?”. Mourinho responde-lhe: “Eu acho que Estás sentado na minha cadeira.”

Para ler no original, ir por aqui

terça-feira, março 08, 2005

A gaja nua e o ditador vestido
Ando já há uns dias para vir aqui comentar a grande aquisição socrática para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas faltou-me a inspiração e (também) a paciência para me voltar a referir ao cromo objecto deste post.
Mais tarde, a 'polémica' do retrato provocou-me um sorriso e uma ténue vontade de comentar. Mas já li tanta coisa que desisti...
Até hoje, quando via "O Castelo" (de Ourém), descobri a Elvira André, oureense residente em França e 'dona' do "Tabacaria", um blog português escrito em francês.
Pois a Elvira escreveu este mimo. Por mim, e apesar dos anos e das rugas, preferia o retrato da Cinha, mas Paulo Portas & Cª lá sabem...

terça-feira, março 01, 2005

Os tolos da minha cidade
Aqui há uns meses – talvez já mais de um ano – um grupo de ‘espertos’ da minha cidade movimentou-se contra a intenção camarária de construir um túnel no centro da urbe.
O projecto tinha em vista facilitar a comunicação apeada entre a zona mais antiga – o ‘centro histórico’ – com o jardim e o rio, permitindo, ao mesmo tempo, que o trânsito automóvel numa das principais artérias não fosse muito prejudicado.
Quando esta ideia foi discutida pela primeira vez na Câmara – alguns anos antes – a única dúvida levantada tinha a ver com o ângulo da curva que o dito cujo túnel deveria fazer... Nessa ocasião, nem uma voz da dita ‘sociedade civil’ se levantou, contra ou a favor.
Passou o tempo e, então, um conjunto de ‘iluminados’ descobriu os malefícios do supracitado túnel. Que não havia necessidade, que era uma obra megalómana, que ia ser construído em leito de cheia, que, que... E a Câmara, ‘obediente’, lá abandonou a ideia, mantendo – com a concordância daquele grupo – a ideia de abolir o trânsito na também já referida rua. O que significa, estava bem claro, a divisão da cidade em duas, isolando precisamente a área mais deprimida: precisamente o ‘centro histórico’.
Entre o grupo de ‘espertos’ contavam-se intelectuais bem falantes, arquitectos, engenheiros, políticos (até da maioria PSD) e o presidente da associação comercial.
Entretanto foram-se passando os meses e começa-se agora a perspectivar o corte do trânsito, desviando-o para uma artéria que, em boa verdade, nem com obras vai aguentar o trânsito que agora atravessa o centro do centro da cidade.
Neste interim, aconteceram também eleições na associação comercial. Curiosamente, também antecipadas, porque o presidente de serviço caiu em desgraça, provavelmente porque quis ser engraçado...
E agora... pasmem!... os novos dirigentes dos comerciantes prometem forte contestação ao corte do trânsito! Exigindo, naturalmente, que se deixe ficar tudo como está. Ou melhor, como estava antes das obras – que decorrem – de construção de um parque subterrâneo de estacionamento.
Argumentam eles – e com alguma razão, digo eu – que o corte do trânsito vai matar o que resta das actividades no centro histórico. À crise que se vive, suceder-se-á, inexoravelmente, a desertificação total.
Pois é! Os comerciantes têm razão. Agora.
Mas não tinham pensado nisto quando o seu presidente andou a lutar contra o túnel e a propor o desvio do tráfego para longe? Não repararam? Não pensam? Por que não se manifestaram, em devido tempo, contra a ‘ideia’ do seu presidente?
Pois... E míope sou eu...